quinta-feira, 8 de julho de 2010

Cor-de-rosa

Aquela era a última vez, dizia sem cansar, apesar de estar ciente de que tudo não passava de uma estúpida mentira, ela preferia acreditar, isso a deixava mais suficientemente viva. Sempre na mesma aconchegante cadeira de balanço, isso fazia lembrar-se de seus tempos de menina, ingênua, cheia de sonhos e disposta a qualquer nova aventura, onde sentava no colo da avó, com cabelos grisalhos, a voz já rouca de tantas histórias, bebia chocolate quente e ouvia contos, contos de fadas, nos quais acreditava até ontem, nada de príncipes encantados, ou bruxas, nem mesmo fadas do bem, havia entendido que a vida reservava várias tonalidades, nem tudo era cor-de-rosa, amarga e ranzinza se via na companhia constante de um copo de vidro, algumas pedras de gelo, o velho uísque e seus fracassos. Testemunha da dor, das prosas, e dos blues, perdidos em acordes triunfantes, estava ela, calada, cada vez mais distante de se convencer do sentido da sua existência, era uma vegetante, respirava porque era involuntário, vivia porque a morte demorava, se encontrava prisioneira da própria insegurança, nada mais era real, somente seu passado. Foi então que a vida lhe proporcionou um salto gigantesco, bastou uma única olhada para a luz que vinha do céu, e como em um conto de fadas,uma magia aconteceu, passou a ver o brilho guardado na intensidade das estrelas, a sutileza que era abrigada no luar, começou a sentir algo que não ocorria desde a morte de sua avó. Ajoelhada de braços abertos com um sorriso sem pudores ela reaprendeu o verdadeiro significado da vida, a sede pela felicidade deu-lhe um propósito, e daquele dia em diante decidiu colorir tudo que o luto havia descolorido, abriu as cortinas, as janelas, deixou a brisa penetrar os raios invadirem cada canto de sua casa, se permitiu ver cavalos brancos correndo no jardim, flores campestres abrochando, maçãs doces nas árvores, pássaros cantando as mais encantadoras melodias, só então, percebeu que a vida era sim um conto de fadas, cheio de surpresas, de suspiros, de lágrimas, de emoções, e que era ela a responsável por escrever na última linha “viveram felizes para sempre”.

2 comentários:

  1. Final feliz! =D
    Preciso tanto aprender a escrever as minhas próprias linhas... ^^

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  2. Adorei, levíssimo e tocante! Sensível... =D

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