terça-feira, 10 de agosto de 2010

Esquina

O súbito tédio o assaltou.
Permanecia tudo calado, como sempre.
Ouvia-se apenas o ruído forte da sua respiração descompassada.
Tudo parado, o tempo, o vento, o presente, o ali.
O ocorrido da noite anterior tinha lhe enchido o sono de pesadelos e desconforto.
Seus motivos eram tão seus, que não conseguia apurar as causas, porém reais.
Via-se na mesma posição, de pernas pro ar sustentadas pela viga da varanda, os braços duramente cruzados e os dedos levemente ditavam um ritmo de tédio.
Era malmente só mais um homem, cheio de curiosidade olhando a movimentação alheia. Amaldiçoando a felicidade alheia, desejando a vida alheia.
Fumando um carreto, descompromissado, numa luta silenciosa contra os “burburinhos” da rua XV.
Virou-se lentamente, destinou o olhar à esquina.
Decidiu dar uma volta, uma mera volta, prometeu não demorar.
Pegou o chapéu marrom, o sobretudo amarrotado, cheirando a nicotina, o maço de cigarros, e se mandou, pela porta dos fundos.
Não queria ser notado.
Inconscientemente, preservava e apreciava o tom de melancolia que havia dado a sua vida.
Ao dobrar a esquina, lá estava ele.
Sentiu-se na obrigação de abordá-lo ali mesmo, mas não o fez.
Adiantou os passos com rapidez e afastou-se irritado.
Ascendeu o cigarro, fumou até o último trago com a intensidade de um vulcão prestes a entrar em erupção.
Caminhou ao redor da Praça Tiradentes, em um banco da praça pousou para observar o vôo das pombas, o beijo dos namorados e o sino que soava da Catedral.
Passou indeciso, incontáveis vezes antes de ousar entrar no boteco.
E com um pressentimento obsessivo, tomou fôlego, foi até o rapaz, que lhe voltou às costas ostensivamente.
Por impulso,ou descontrole, agarrou seu braço.
Mas com grosseria foi mandado ir à merda.
Uma lágrima escorreu, contornando seu rosto enrijecido.
Pousou a mão sobre o coração,que gritava, abotoou o sobretudo e foi para a companhia da ausência fumar.

domingo, 1 de agosto de 2010

Da janela de uma casa qualquer

Na realidade, não queria mesmo nada, só sair andando por ai, despreocupada, sem rumo.
Não queria destinos, queria apenas ter a sensação de uma surpresa agradável.
O vento vinha de encontro à janela, parecia invadi-la, sem pedir licença.
Seu barulho era suave, quase imperceptível, mas isso a detinha, e por hora roubava-lhe a atenção.
Abriu a cortina e uma pequena fresta na janela.
Sentiu no rosto o ar gelado da noite.
Ali permaneceu sem qualquer palavra ou gesto, apenas olhando.
O frio era quase insuportável, congelava seu corpo.
As pernas dormiam anestesiadas, não obedeciam a seus comandos.
Em meio ao espanto, aquele pensamento detestável veio vindo, lentamente.
Riu sem saber o porquê, até ser interrompida por um longo bocejo.
Baixou a cabeça, pesada, viu escapar por entre o vão dos dedos todos os amigos, os falsos amores.
Tinham todos desaparecido, todos.
Queria sumir e deixar seus palavrões a quem fosse, mas algo a conteve, talvez a sensatez.
Não foi capaz de dizer palavras vulgares, apenas se recompôs e deu lugar as lágrimas que desciam acompanhadas das salgadas gotas de suor.
Só a presença de alguém lhe bastava, mesmo que disfarçada.
Tentava desesperadamente construir em palavra por palavra um diálogo, forçado.
E a verdade?
É que estava sozinha, procurando um abrigo na vida de alguém.
Um abrigo sem dor nem humilhação.
A sempre oportunista culpa veio, refletiu no vidro transparente, apontando tudo que queria esquecer.
Buscou por algo, até notar que essa, era sua única companhia.
Então, fechou a cortina e aprendeu a conviver com a solidão.