quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Linha de chegada


Naquele momento, naquele exato momento, eu não soube o que dizer, nem pra onde correr.



Fiquei estática.
Meus olhos permaneciam sem uma lágrima, fixos em um ponto qualquer, muito além da porta entre aberta. Muito além do seu abraço. Muito além do seu cheiro. Muito além...
Não!
Era como se eu tivesse ido embora de mim mesma. Como que de alguma maneira eu tivesse me livrado de uma carga pesada.
Não!
Já não sabia mais quem estava saindo por aquela porta. A única coisa que eu sabia é que eu precisava me acostumar com esse corpo estranho, completamente novo, leve.
Sim!
Eu precisava inventar rumores de uma vida normal. Um cotidiano qualquer onde eu pudesse esconder a tristeza estampado no meu rosto.
Não!
Eu já não me importo se seus olhos não cruzam com os meus. Eu já não me incomodo com o “Maquiavelismo” que cabe perfeitamente em seu sorriso.
Não!
Eu não seria covarde a ponto de gritar seu nome, ou causar uma fatalidade para chamar a sua atenção.
Eu sei.
Eu sabia exatamente o que significava você pegar a chave do carro e bater a porta. Significava que você fi-nal-men-te teria um lugar vago no banco do passageiro.
Sim!
Lugar que por muito tempo foi por mim ocupado e que certamente seria substituído por uma-outra-mulher-igualmente-tola-feito-eu.
Feito eu.
Não!
Você jamais encontrará outra “tola” capaz de investir em uma maluquice. Sem retorno. Sem futuro.
Não!
Eu sei.
Eu sabia onde isso ia chegar.
Chegar?
Coisa da minha imaginação.
Nem todos chegam ao ponto final. Muitos se perdem já na largada.
Sim!
Eu fui uma delas, admito. Fui ficando para trás, sendo ultrapassada.
Perdendo a fé, o rumo.
Não!
Não fazia idéia do que estava por vir, mas eu continuava correndo, tentando... sem sequer olhar para trás. Focando na linha de chegada. Eu tinha esquecido de vez ou outra olhar para os lados.
Agora meus lados estão completamente cheios de espaços vazios.
E o mérito é todo seu, querido.
Não!
De forma alguma. Você não me enganou, eu enganei a mim mesma. Me deixei seduzir.
Não!
Agora não é hora. Não importa o que eu passei. Tenho espaços vazios para serem preenchidos. E uma nova largada esta por vir.
Sim!
Tome o devido cuidado. Desta vez eu ultrapasso a linha de chegada. 

terça-feira, 25 de outubro de 2011

E isso explica tudo, tudo o que não faz sentido entender

“Gata, você não está triste, retoque esse batom e volte para a vida”



Repetia inconsciente como se fosse o refrão de uma daquelas músicas que já foram hit nas rádios, ou até mesmo toque do próprio celular. Confesso, tive que, por uma, duas ou até mais vezes forjar um falso sorriso para poder parecer de verdade, para poder encarar as pessoas, pra poder suportar a mim mesma. Se foi pecado eu já não sei, também não me condeno por isso, mas eu estava disposta a dias felizes, nada demais. Em outras palavras tratava-se de uma tentativa, e naquela altura do campeonato tentar significava uma esperança para o grito que permanecia entalado na minha garganta.
Sabe aquela comodista e falsa sensação de que ainda pode chegar a ser, de que você esta quase chegando lá, de que você vai alcançar, mas depois você desperta, e vê que não passa de mais um daqueles sonhos cheios de realidade inventada, desmedida, totalmente fora do contexto.
Então vem o tornado, a explosão, o fim causado pela desordem, pela falta, pelo excesso.
Eu definitivamente não sei se foi falta de opção, ou se foi descuido da minha parte, gostaria de discordar com certo ar de superioridade e muita ironia, mais enquanto isso não acontece, me emprego no ofício de desviar você do centro das minhas atenções.
Por mais que eu ache isso papo furado, não me dou por satisfeita, preciso - em meio a minha típica risada nervosa de quem se sente culpada - esclarecer todos os fatos, encontrar todas as razões, mesmo que elas não existam. E por via das dúvidas cultivo, relembro cada momento, bem devagar pra não deixar nada se perder no meio do caminho, simplesmente, porque sou consciente que nada vai mudar. Não adianta, não voltaremos a discutir sobre o melhor time de futebol, ou sobre as suas manias irritantes.
Por refúgio ou por lei de sobrevivência, me obrigo, sem nada dizer, voltar ao passado e recordar com cautela e saudades dos beijos, dos abraços, do atropelamento que você causou. Das marcas. Das cicatrizes.
Seu estraga prazeres, você foi embora, e eu fiquei aqui... largada junto ao seu adeus, suspirando.
E isso explica tudo, tudo o que não faz sentido entender.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

A sua maneira, a minha maneira


Isso parece ser tão banal, não acha?
Mas hoje me deu saudade. Saudade de fatos hipotéticos da vida que levávamos. Saudade da sua, da nossa aparente falta de sentido. Saudade da poesia, da música que existia enquanto estávamos ocupados demais para notá-la. Agora é tarde. Tarde para um recomeço. Tarde da noite.
Deixamos muitos detalhes passarem despercebidos. Deixamos muitas coisas perderem seu valor. Deixamos de ser que éramos. Deixamos de acreditar, não tivemos a decência mísera de lutar, de vencer. Desistimos. Pode soar cafona, piegas ou o que quer que aparente mais acabou, não é fácil, eu sei , mas é preciso admitir. É preciso. É inevitável.
Inevitavelmente chega uma hora em que é necessário deixar de lado esse mundo ilusório do “faz-de-conta” para encarar a verdade, onde tudo supostamente deve se encaixar, se justificar de alguma maneira. Chega uma hora em que é necessário deixar para trás pedaços, memórias fragmentadas para criar novas rotinas. Chega uma hora que é preciso reconhecer nosso prazo de validade e perceber de uma vez por todas que somos perecíveis e não recicláveis. Chega uma hora que essa brincadeira a sua maneira cansa. Desilusão e impotência cansam. Eu canso.  
Onde é que eu estava com a cabeça, quando acreditei ser tudo perfeito, quando achei que eu era capaz de mudar os sentimentos, de dominá-los. Somos impotentes, não conseguimos nem controlar o maldito amor.
Isso não te consola?
Talvez a gente possa escapar, tentar esconder, mentir para camuflar essa realidade... nada disso. O sentimento aparece e desmente tudo. Destrói. Machuca. Corrói. Encontrei uma forma de tornar mais leve esse misto de emoções, aprendi a não prestar atenção no que estou sentindo, abstraio.
Não, isso é difícil, requer exercício contínuo. Somente os bons conseguem se enganar dessa maneira.
Não tive opções, se quer saber.
Não quero que tenha dó, nem que se arrependa, quero viver sem muita frescura, sem muito luxo, sem muito desgaste, com muito desapego.
Prometo que você nunca mais vai ouvir falar de mim, que não irei encher sua caixa de mensagens nem irei mandar cartões postais, e que não freqüentarei mais aquelas baladas, desistirei até mesmo das redes sociais.
Não haverá rastro meu. Mudarei de nome, de endereço, terei um rosto moldado, calado a minha maneira.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Tão certo quanto à chuva


Não diga o que é melhor pra você.
Sinceramente?
Não me interessa!
Só quero saber o melhor pra mim.
É engraçado... Você teve a sua hora, agora passou. Pode pegar a sua meia dúzia de camisas e calças, sua escova de dente e o perfume que eu te dei. 
Jogue fora, rasgue todas as cartas, queime...me esqueça!
Pode ficar achando que eu preciso de uma camisa de força, talvez seja o caso. Há quem diga que o amor também enlouquece, então... fica a seu critério.
Só peço para deixar eu sofrer minha loucura sozinha. Longe daqui. Longe de você. Adeus!
Depois de ler e reler o “bilhete” guardei-o no envelope.
Respirei fundo.
Andei de um lado para o outro, até me acomodar de pé espiando pela fresta da janela minuto após minuto, em uma ansiedade extrema. Cheguei a acreditar que meu coração fosse pular pela boca, ou que eu não fosse suportar essa espera.
“Quer saber, ele é cheio de defeitos, me faz mal e eu não o amo”. Mentia pra mim mesma, era como se isso me encorajasse. Isso me impedia de desistir, por impulso ou fraqueza, não sei.
Nada de extraordinário, o relógio marcava 18 horas, e eu sabia que dentro de alguns minutos ele estaria ali, lendo aquela carta.
Mas o que mais me dava medo era imaginar a sua reação, só de pensar que ele pudesse rir, e fazer eu me sentir uma ridícula, ou se ele chorasse e eu fosse abraçá-lo comovida e pedisse pra esquecer tudo que tinha lido.
E se eu não fosse capaz de suportar vê-lo ir embora? E se eu nunca mais sentisse o seu perfume? O medo das inúmeras possibilidades me fazia roer as unhas, transpirar, surtar internamente.
Até que eu declarei: está pronto. Tomei minha decisão, esta feita a confusão e, com isso, tudo que nós vivemos nesses anos iriam por água a baixo. A vida em casal, as viagens, os vinhos caríssimos, os nossos beijos... o nosso...tudo que havíamos construído.
Eu sabia que daquele dia em diante eu teria trocado os meus problemas pelos problemas dos outros, e que teria que fingir um “tudo está bem” para poder dormir nas próximas noites. 
Mas naquele momento não sabia se tinha dito o bastante, nem se tinha sido o suficiente.
Suficiente ou não, eu tinha a certeza de ter amado. Eu tinha a certeza de estar machucada. Eu tinha também as incertezas...
Foi preciso abrir mão de uma fantasia para viver a realidade. Realidade onde só tinha espaço para um de nós. Estou decidida, não ousarei olhar pra trás. Seguirei sozinha. Tão certo quanto à chuva, certamente virá outro, um novo e um “certo” amor. Mas aí, daqui uns anos, eu me reinvento, me alimento de outros Paulo’s, outros Mario’s, outros Vitor’s, com seus 20 e poucos, 30 e poucos anos e manias variadas. Nunca se sabe. Mas prometo não esquecer o que foi vivido naquele quarto, naquela sala, afinal, acho que é perfeitamente possível deixar vivos bons momentos na memória, só isso. Agradeço a companhia, as risadas, tudo. Mas meu querido, a menininha de 20 anos, inocente e sem maturidade aprendeu com alguns tombos que chega uma hora que é preciso ir pra casa, que tem hora do banho quente, das roupas limpas, dos bons drinques... tem também a hora de  juntar as rosas e seus espinhos, pra oferecer a alguém. Alguém capaz de cultivá-la. De fazê-la viver. De fazê-la amar novamente.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Equalize


Iria acontecer a qualquer instante.
Eu sabia.
No fundo todos sabem.
Se eu estava preparada?
Quem é que esta preparado para a morte? A resposta é previsível. Ninguém.
E a culpa naquele momento era minha. Me sentindo uma completa estúpida por não ter chegado a tempo. Tempo de dizer aquelas palavras de carinho que você merecia tanto ouvir.
Aquela voz era minha apesar de rouca e já tremula, era como um grito quase imperceptível.
Não tive saídas.
Desabei ali mesmo, sem testemunhas em um choro de quem implora humilhada. Minha garganta engolia seco o sabor da despedida.  A dor naquela hora era e continua sendo terrível e isso me chateia. Estou em um estado de frustração e desespero que se intercalam. Intensificam-se.
Eu sei.
Eu bem sei.
Os anos se passaram, nós envelhecemos e hoje você adoeceu. Tenho consciência de que agora não tem volta e nem recuperação. Sinto que esta partindo, sua respiração está cada vez mais fraca, seus olhos já não me enxergam como antes, você mal consegue caminhar sem minha ajuda. Infelizmente seu ciclo vital é mais curto que o meu. Não terei sua companhia à vida toda.
Quem dera.
“A vida toda”.
Eu só queria poder te pegar no colo, te afogar no meu abraço e cantar aquela música que você adora. Bom, eu também adoro.
“E eu acho que eu gosto mesmo de você
Bem do jeito que você é.”
Queria ter pela última vez seu olhar desajeitado, a cabeça entre as patas. Seus olhos eram enormes e meigos. Lindos apesar das remelas. Você gostava tanto de dormir. Dormia sentada, em pé. Não fazia luxo. E roncava. Como roncava. Lembro-me de muitas vezes ter me assustado com os estranhos barulhos que você fazia. Seu focinho gelado e molhado na minha mão quente. Você só queria minha atenção. Eu fazia um cafuné, você me lambia como quem toma sorvete no calor do verão. Seu “rabo” curto. Abanando. Denunciando sua felicidade. Nossa felicidade. Seus pulos ao ganhar o “bicoitinho” e a cara de medo ao manchar o tapete da sala. Seu latido, nossas conversas em diversas línguas... nosso mundo.
Um mundo nosso.
Quanta cumplicidade.
Pode parecer exagero, talvez algumas pessoas nunca entendam que esse laço existe. Não me importo. Você tornou meus dias mais alegres. E essa é a minha memória. O que ficou da Princesa em mim.
Agora é enxugar as lágrimas e fingir que a vida tem que continuar.
E ela continua.
Pode me esperar Cabritinha, Polaca, Litlle Jackie, Cabita, como queira ser chamada.
Sinto sua falta.
Não nego.
Mas tenho uma certeza.
A certeza que nos veremos.
Até logo.
O “céu dos cães” esta aberto pra você.
Fica bem no seu novo lar. 

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Feito pó




Sou obsessiva. Completamente ciumenta, tenho um quê de esquisitice, reservo sorrisos discretos e um olhar misterioso. Mas e daí.  Talvez eu mude... e porque não? Fica a pergunta. Sem resposta.  Pois é, a vida é assim.  Você suspira ao chegar a essa conclusão. Não faz nada pra mudar, simplesmente se acomoda. E a resposta permanece imutável.
Sei que não vai dar em nada, que não chegarei a lugar algum. No começo é tudo sincero e verdadeiro, faz bem.  Até quando? Eis que surge mais uma pergunta. E a resposta? Melhor fugir. 
E na solidão do quarto choro escondida na fronha do travesseiro. Não quero que saibam que estou sofrendo de amor e a cada novo dia logo pela manhã tento me refazer.
Recompor-me, unir as peças do quebra-cabeça que parece não se formar.
E de repente sinto falta de alguma coisa. Falta do que quase chegou a ser e não foi. Falta de...
Isso tem um nome.
Tem o seu nome.
Às vezes sinto você vindo sorrateiro em minha mente. Fecho os olhos e em um momento falho de distração me pego pensando. Pensamentos ao além me levam ao seu encontro.
Agora me encontro só.
Só o pó.
Só o nó.
Mas aí, daqui uns dias isso tudo vai passar despercebido. Ou não. Ficaram apenas as marcas. Cicatrizes.
O nó desfeito, feito pó.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Toc-Toc


Qual o drama? Era quase à hora, e lá estava eu, pronta para me sujar de mim novamente. Eu não planejei, fui pega desprevenida. E sem abrigo me ocupei adiando o inevitável. Ganhei algumas horas, mas perdi o caminho de volta. Bati na porta errada. Entrei sem pedir licença. Me acomodei. Me abriguei. 
Mas era preciso voltar.
Voltar.
Não se abale acaso sem mais nem menos eu for cruel a ponto de passar por aquela porta e não mais voltar. Não garanto nada por agora. Só por agora. Talvez eu necessite mesmo sair, viver, me sentir eu mesma, cuidar do que me interessa da maneira que eu bem entender.
Talvez você tranque a porta.
Talvez não.
Talvez você insista para que eu fique.
Talvez não haja explicações.
Compreende de uma vez por todas, às vezes é preciso fechar algumas portas para que outras possam ser abertas. Entende?
Por tantos motivos deixei de ser quem eu era, pra poder viver a sua vida, ao seu modo, por tantos motivos neste exato momento estou me permitindo fugir dos conselhos sensatos, das pessoas corretas e de toda essa hipocrisia.
Por tantos e tão confusos motivos eu percebi que realmente não era você o problema, era eu. Você estava certo quando olhou no fundo dos meus olhos e disse para eu me recompor.
E em doses pequenas, fui tentando não perceber, fui afastando uma dor aqui, colando um pedaço cá, guardando um ressentimento ali, uma revolta lá. Mas tudo isso me recompôs. Estou bem. Está tudo bem. Bem vindo à minha vida boba, mal colocada, mal entendida, mal acabada. Mal...
Mas agora já passa da meia noite, é hora de ser inteira, é hora de juntar meus pedaços e ir buscar pela porta correta. Tenho de admitir que é tudo muito duvidoso e que não aprendi a lidar ainda com alguns trincos, as vezes erro de porta, troco as chaves mas estou tentando.
Tentando.
Toc-Toc...
E se a porta pra realidade estiver aberta, vou entrar, sem medo. 

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

O ciclo

Todo ciclo tem um começo e conseqüentemente um fim




Começou com um simples e inconveniente pedido de desculpas. Depois o perdão. Novamente a desculpa. Mais uma vez o perdão. Incontáveis vezes vi essa cena se repetir.
Não seria o primeiro pedido de desculpas, nem o último perdão. Então eu cansei. Cansada. Eu estava cansada de sempre perdoar atitudes impensadas, palavras que não seriam recolhidas e dores que não seriam retiradas.
Lamentavelmente não tenho controle sobre seus atos, muito menos sobre as minhas esquisitices e meu senso de humor arrogante, nem por isso me julgo uma completa desequilibrado. Por mais ridícula e indecente que eu possa parecer, eu tentei. Foi você quem não me deu saídas.
Sim meu querido, demorei pra perceber que o mundo é imperfeito, brega, com gente sem graça, sorrisos falsos e um bocado de desleixo. Demorei pra entender que assim como o amor, a vida odeia clichês.
Mas chega... Chega do seu modo de vida descomprometido, às vezes sereno, às vezes não. Chega de toda essa bagunça. Acaso não saiba é preciso arrumar espaços e preenche-los de alguma forma. Se esses espaços ficam vazios, eles se fecham.
Demorei pra aprender que é preciso conhecer outros mundos, novas formas de pensar, usar novos cortes de cabelo, conhecer aqueles que ousaram e aprender até mesmo com os erros. Errar é fundamental e nos erramos. Eu errei ao pedir um pouco e doar demais, quando eu só queria ter metade. 
Metade era pouco. Não fui o suficiente. Fui o excesso. Deixei você me desperdiçar para perceber que o amor só precisa do necessário.
Só o necessário.
Compreendi que o importante é isso, imaginar coisas inimagináveis e confrontar sem medo, muitas vezes, infinitas vezes, até conseguir encontrar.
Encontrar o que se perdeu.
O que foi esquecido.
Que se desfez.
Estou decidida.
Optei por burlar cada regra, cada limite imposto. Estou preparada para a nova vida, ainda que não saiba vive-la por completo. Não conheça os caminhos mais seguros. Ou o retorno. Seguirei em frente. Se for preciso jogarei, lutarei, arriscarei. E não pense que a vontade morreu no meu peito, também amarei. Amarei a mim.
E antes que me esqueça você tem um jeito caótico, patético, cara de sonso, é despretensioso demais para mim e para a vida.
Vi você levar aos montes pedaços meus que antes não fazia falta, agora sinto os espaços vazios, por completar. Se fechando.
Não culpo somente a você que sabia pouco ou quase nada de coisa qualquer.
Éramos duas crianças com ressaca das coisas erradas e vazias. Testando uma a outra pra ver quem levava a melhor. Para no final percebermos que em uma relação, um coração sempre será quebrado para que o outro possa se reconstruir. Esse é o ciclo do amor em sua plena inconstância. Cheio de cortes, cicatrizes e lembranças, porém com um único fim, sem pedidos de desculpa ou perdões. 


segunda-feira, 25 de julho de 2011

Você se foi

Você se foi.
Eu fui.
Fui inocente para não me convencer e mimada demais para prestar atenção a qualquer sinal. Passei a maior parte do tempo ouvindo você dizer palavras da boca pra fora. Você se foi e eu fiquei. Fiquei sem saber a hora exata e se voltaria.
E por quê?
Porque mais uma vez eu fui.
Fui atrevida e ousada demais ao chamar de romance o que era só um passatempo. É tão bacana passar o tempo ocupando a vida de alguém, quando esse alguém poderia estar se ocupando com coisas mais importantes e mais duráveis. Mais duráveis que um “amor de verão”.
Sempre achei essa frase ridícula. Porque amor independe das estações do ano, se faz chuva, se faz sol. Amor só depende de uma coisa: Sentimento.
Sentimento esse, que tem que ser valorizado. Vivido.
Encarado. Se você não o encara ele se perde. Perde o sentido.
Cara, eu vou te dizer que é bem difícil você se dar conta assim de um dia para o outro que isso tudo foi. Eu fui. Você se foi.
Eu fui me aborrecendo.
Eu fui me perdendo.
Eu fui...IDIOTA! Seja dita a verdade, o resto é besteira. Por que deixamos chegar a esse ponto? Ficou no ponto errado, cara. Era duas estações para trás. Passamos do limite. Do nosso limite.
Agora vai levar anos para arrumar tudo. Tudo que você foi. Toda a bagunça que causou aqui dentro, tudo que tirou do lugar, que mudou de ordem. Todo o estrago. Estrago suficiente para destruir uma vida.
Uma vida qualquer, mas não a minha.
Eu fui. Serei incorrigível e pra sempre uma romântica. Não perdi a esperança de encontrar um amor, amor de verdade. Não desses amores de filmes e livros com finais felizes. Um amor real, assim leve, delicado e cuidadoso. Com toda a sua complexidade.
Que não machuque. Que não limite a qualquer sincera expressão de amor. Que respeite ao toque de chamada para a felicidade. Que não passe do ponto e que seja encarado com maturidade.





Você se foi.
Eu fui.
E voltei.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Ainda há de existir amor


E de alguma forma insana eu ainda acredito. Acredito que irei sentir novamente aquela... aquele...como é que eu posso definir... “coisa” nem que por alguns breves segundos.
Repito para mim mesma: Ainda há de existir amor. Ainda há de existir... Ainda há de... Ainda há...
E com essa certeza me alimento. Me farto a ponto de passar mal. Depois vomito. Vomito o resto, o excesso.
Meus lábios tremem convulsivamente e rapidamente minhas mãos buscavam o rosto que entrega a mais nobre e sublime das dores.
A dor do amor. 
O amor dói acaso você ainda não tenha amado. Isso não é uma probabilidade é uma certeza. É um fato, fatalmente.
É natural, justo e até estimável.                
Sem dúvidas mais cedo ou tarde isso iria acontecer. Acontecer de a minha imaginação falhar.
Aconteceu. Ela falhou. Me traiu. Assim como a “coisa”.
Estou sozinha compondo enigmas para depois decifrá-los, mas não tem nada para ser decifrado, afinal de contas já não preciso de um pretexto mais ou menos razoável e convincente para descartar as hipóteses. Reais hipóteses e não meras coincidências.
O que me resta é companhia da carapuça, e adivinha-se-ela-não-esta-me-servindo-mais-uma-vez.
Por aqui fico procurando minhas blasfêmias no dicionário, feito uma ignorante, folheando folha por folha. Mas ninguém me avisou que no dicionário não tem definição para isso que eu sinto. Simplesmente não é possível descrever.
E agora?
Agora me ocupo reunindo tudo, “tudinho” que há de melhor, o que esta repartido e em pedaços e junto, deixo uniforme. Quem sabe aperfeiçoando com primor todos os dias a obra do amor, ela fique perfeita.
Perfeita para você.


terça-feira, 12 de julho de 2011

Olhe para trás, porém só se for necessário


Se você esta me ouvindo presta atenção, gritava. Mas de onde vinha? Será que estava realmente falando comigo? Eu olhava para os lados, para cima e todas as direções possíveis. Não encontrava nada, nem ninguém. E a voz insistia, uma vez, outra.  Outra. Parecia ser meu inconsciente. Talvez fosse paranóia, talvez fosse.  Naquele momento não importava.
Parecia que a qualquer instante ela iria assumir minha forma e permanecer em mim.
Como?
Não sei, foi tudo tão de repente, e aos poucos eu começava a perceber que ela existia. Que estava o tempo todo em mim, escondida desde o começo, sabe.  Secretamente escondida. Calada, aguardando a hora certa.
Era o que dava sentido. Um misto de segurança e medo. A própria experiência errante, atingindo o meu ponto fraco, me alertando sobre coisas que nunca passaram pela minha cabeça.
Me fazia refletir,  buscar outras perspectivas. 
Já não havia mesmo muito a se fazer a não ser obedecer cegamente.
Então a tristeza, o medo do incerto, a insegurança.
São apenas “vozes surdas”. Eu concluía ao me sentir louca e inconseqüente. Os problemas estavam todos ali diante de mim, mas nada acontecia, nenhuma mudança.
De repente... a voz se manifestando com um “Não se sinta culpada”.
A culpa é minha, eu sei. Eu errei tanto, errei tudo. E se eu tivesse feito diferente, se eu tivesse dito sim, ou se eu tivesse tido coragem de assumir, mais agora é tarde, e eu estou cansada.
Não venha dizer que compartilha com o ceticismo de que somos o que escolhemos ser, o destino nada tem a ver com isso.
Eu discordo.
Posso discordar ao menos isso? Ou, então, esquece... Eu cheguei a esse ponto. Não acredito. Malditos sussurros que ficam me atormentando. Me deixe em paz seja lá quem for.
Continuamente me estranho, não me reconheço. Me perco.
Silêncio absoluto.
Vazia e tão quieta que qualquer palavra naquele instante soaria descabida.
Ouvia-se um fraco “Felicidade”.
Felicidade existe por acaso?
Onde é que esta a minha?
Talvez no fundo do mar, ou no topo de alguma montanha. A verdade é que eu parecia nunca alcançá-la. A verdade é que ela parecia se afastar toda vez que eu tentava ir ao seu encontro.
Fingir.
É isso. Uma maneira no mínimo mais agradável de ignorar e abstrair “essas” coisas tão incertas e divergentes que costumo chamar de “períodos de crise”. Quem é que nunca passou por um período desses, não é mesmo?
Quisera eu que fosse mais um daqueles episódios de TPM, mas não. Dessa vez não poderia recorrer a essa desculpa, não aliviaria meus problemas.
Eu queria gritar, surtar mais algo me detinha, me acalmava.
Reinvente, não é assim que a realidade funciona, minha cara. Siga em frente, cabeça erguida, necessariamente nessa ordem. Olhe para trás, porém só se for necessário.
Quisera eu que essa voz fosse imaginária, mais esse é um episódio da realidade. Sem roteiros. Sem ajustes, com toda a sua complexidade.
Como estou hoje?
Seria hipocrisia dizer que estou ótima, mas posso dizer com a boca cheia, estou REINVENTANDO, com direito a letras maiúsculas e em negrito.


quarta-feira, 6 de julho de 2011

Minhas vitrines individuais

Quer saber de uma coisa? Prefiro não correr esse risco.
Tenho observado atenciosamente meus hábitos e comportamentos, e sinto que mudei.
Não, eu não mudei, é só coisa da minha cabeça. Resolveram me enlouquecer, talvez eu esteja complicando, é só isso.
É só isso!
Sei que não sou a primeira, nem a única, muito menos a última!
Sorrio sem jeito em meio à tensão e ao nervosismo.
Como é que ninguém teve a capacidade mísera de decifrar meus sinais? Muito pelo contrário. Eles todos só imaginam e criam coisas. Criam coisas e imaginam.
Coisa nenhuma. Não sabem de coisa alguma.
É preciso informar, anunciar.
Lamentavelmente não me conhecem, mal sabem que não costumo rir. Pra ser franca falo pouco, só o necessário. Prefiro que fique o dito pelo não dito, sabe como?
Sou o tipo de pessoa que acredita e segue à risca as previsões dos astros, sou extremamente supersticiosa. Mas e daí, quem é que liga para uma garota de vinte e poucos anos, que acha que já viveu o suficiente?
Pobres almas erradas, sequer conhecem meus cenários imaginários ou minhas vitrines individuais.
E por que esse meu obsessivo propósito de me encontrar? Ah, eu já sei, foram eles.
Eles quem?
Por um instante acreditei ter ouvido coisas do tipo “você precisa decidir”, “você precisa encontrar”, “você precisa...” “você precisa...”
PAREM!
Eu sei muito bem do que eu preciso!
Em outros tempos, em meu passado, talvez eu inventasse fugas por covardia, e recorresse às drogas, bebidas e muito rock and roll.
Hoje não mais. Minha sólida educação de uma “quase” mulher da classe média tornou-se visível. Agora e cada vez mais o outro, e o novo embora tão velho e desgastado.
Ah, deixa para lá, dali a um minuto ou vários meses, quem sabe. Quem sabe ele não apareça na forma de um raio de sol luminoso e dourado. Mas é madrugada, e eu continuo sozinha.
Sozinha e com o telefone em mãos busco pela agenda com vários daqueles nomes e números, os quais sei que jamais discaria, mas guardo, por pura precaução.
Precavida demais.
Precavida e distraída.





Era quase frio, quase calor.
Mas o importante mesmo era que todos soubessem.
Havia chegado o outono.


sexta-feira, 1 de julho de 2011

Uma noite de luxúria


Aconteceu.
Era uma tarde qualquer, lá pelas cinco horas, não lembro ao certo, descia eu pela Rua Augusta, ouvindo o tilintar das moedas, havia esquecido completamente. Estava distante, absorta em meus turbilhões de pensamentos, olhando para baixo, na verdade para os meus pés. Não tinha reparado que o cadarço estava por amarrar, o que não era novidade, mais uma vez estava atrasada.
Apressei o passo quando meu celular tocou.
Era ele.
Eu estava mesmo esperando.
Eles sempre ligam de volta.
Sorri com desdenho, fazia parte de meu peculiar triunfo ter os homens na palma das mãos.
Homens loiros, morenos, negros, japoneses, todos me divertiam.
Diversão.
Não me julgue.
Apenas cansei de tanta gente chata, dessas que querem ser sérias demais, moralistas e viscerais o tempo todo. Eu não quero comprar livros de auto-ajuda, não quero conselhos de como devo agir, como devo pensar, eu não sou um fantoche, estou dispensando soluções para os meus problemas.
Quero sentir cada mínimo detalhe como eles realmente são passageiros.
A vida é passageira, e eu sou uma passageira da vida. Com passagens compradas para destino algum.
Quero a simplicidade de uma vida comum. Cansei dessa farça toda.
Utopia?
Pode até ser. Mas daqui pra frente, não depende de ninguém.
Depende de mim.
Não estou à toa nessa vida, não é pelo dinheiro, é por pura... Esquece! Você não entenderia.
Não tenho rotinas, não preciso dar satisfações a ninguém, sou sozinha. Não sou especialmente íntima de alguém, e sinceramente, nunca desejei intimidades. Desejei conversas.
Eu só queria conversar. Podia ser sobre futebol, carros, só não queria falar sobre mim. Não me sinto a vontade.
Ao chegar em casa, era preciso apenas me acomodar na poltrona e esperar das oito até as dez da noite, todos os dias da semana, na mesma sala de estar tomada por inúmeros fragmentos que pareciam se juntar, criando uma redoma de vidro.
Eu ali estava protegida. Protegida.
Uma noite de luxúria, isso te assusta?
Pois não deveria, agora me responda que menina, nunca sonhou viver um conto de fadas, com direito a final feliz, em meio a fantasias, príncipes e carruagens?
Um mundo onde tudo é possível, sem precisar se questionar, independente de limitações?
Quem dera, quem dera! Eu respondia ao mesmo tempo em que abria aquele vinho que tinha ganhado a poucos dias de um “affair”, nada sério, romance- casual-se-é-que-me-entende. Abri o armário, escolhi o jogo de taças de cristal a dedo, pintei os lábios de carmim e soltei o cabelo.
Acendi as velas do castiçal, e esperei a campainha tocar, enquanto me perfumava.
Pacco Rabanne, também tinha meus luxos.
Espiei ansiosa pelo “olho mágico”, ele trazia flores e chocolates.
Chocolates, péssima escolha.
Eu detesto chocolate.
Abri a porta com um falso sorriso, enquanto ele mantinha seu olhar preso em meus lábios carmim.
A sua voz rouca tomou meu ouvido com “piadinhas” obscenas.
Convidei-o a entrar, ele logo se acomodou no sofá, desabotoou a camisa e afrouxou a gravata.
Ele sequer perguntou como eu estava, foi pedindo algo para beber.
Tudo bem.
Me dirigi até a cozinha com certo prazer, ergui a taça e brindei ao vento.
A vida! Tim-Tim
A vida que é feita por um começo, meio e fim.
Seria o começo, de um fim mal acabado.
Estendi a mão, e dei-lhe a taça.
Acendi um cigarro enquanto olhava para a sua mão.
Uma aliança.
Abri a porta e mandei-o sair.
Bebi alguns goles. Retoquei o batom. Fechei à persiana. Apaguei o cigarro, e fui dormir. Não havia mais aquela mulher sentada na poltrona, protegida por uma redoma de vidro.
Meretriz. Prostituta. Cortesã. Bisca. Garota de Programa. Vagabunda. Rampeira.
Não.
Nem uma nem outra.
Mulher. Apenas mulher.


terça-feira, 21 de junho de 2011

Do lado de fora


Ela costumava se aventurar em terrenos novos, como uma estrangeira, uma verdadeira cigana carregando na mochila seus sonhos e toda juventude, para depois ter o prazer de reviver, reinventar passados agradáveis.
Inutilmente, tentava descrever todas as estradas de chão batido que já havia cortejado com sua quase “marcha nupcial”. Valorizava cada pegada deixada no chão, era a prova mais concreta de que já havia estado lá. E de si se dilatava.
A alguns dias de distância caminhando rumo aos mares do Sul, seguindo a corrente Leste, do ponto de partida Norte, guiava-se por uma pipa que empinava com certo deslumbre.
Enquanto eu, do lado de fora admirava.
Era apenas mais uma viajante perdida em seus próprios pontos cardeais, circundada por desejos não desperdiçados que se despertavam simultaneamente.
No qual eu residia de maneira constante e imperceptível.
Era viciante a maneira que caminhava hipnotizada entre árvores e pedras, flores e espinhos, com o olhar fixo nos feixes de sol refletidos nas folhas secas e amareladas, que denunciavam inocentemente o outono.
E do lado de fora, eu ouvia o constante som dos seus passos quebrando galho por galho, misturados aos gritos de seu silêncio fúnebre.
Em meus olhos claros eu via os dela e ambos percorriam atentos cada mínimo detalhe, como se fossem páginas escritas de um livro já inventado, onde buscávamos ansiosas pelo capítulo final.
Do lado de fora, onde estou presa, ainda que pouco, vejo aquela mulher em seu imaginário vazio gozando o horizonte, reconhecendo a imensidão do azul do céu por onde correm as nuvens de formas geométricas variáveis, obras do acaso e do vento, misteriosamente desenhadas pelas mãos de um Homem. Homem esse no qual acreditava fielmente: Deus.
E os segredos tão nossos pareciam se esconder por trás da cadeia de montanhas.  
Do lado de fora, onde estou presa, me pego criando itinerários capazes de me levar aos lugares em que estive naquela companhia, daquela que não tinha um nome ao qual eu pudesse chamar. Caso tivesse chamaria todas as noites na expectativa de viajarmos.
Mais onde estou presa, sou obrigada a permanecer imóvel, olhando aquela figura que me comove e me alivia.
Essa “estranha” pega a mochila e parece se desfazer toda vez que insisto em fechar os olhos. Ela esta realmente indo embora, indo para dentro. Ela me puxa pelo braço, me chama, e eu simplesmente não consigo me mover, e assim diante de mim ela desaparece por aquela longa estrada.
Estrada da vida.
Sendo esquecido por si, pelo mundo, mas jamais por mim, pois suas pegadas continuam desenhadas no chão.
Dizem que estou ficando louca e que essa viajante faz parte de mais uma daquelas criações da minha mente perturbada e hiperativa.
Do lado de fora, onde estou presa, permaneço debruçada na varanda, advertida através de conjuras, porém acreditando no que vejo e no que sinto prioritariamente.
De fato todos me olham mudos e cheios de indagações, como se eu fosse...louca, mas loucos são eles, incapazes de perceber que aqui, do lado de fora... estamos presos.
Presos!
Eu podia ter ocupado o lugar daquela que desapareceu, se tivesse voltado atrás, ou talvez tomado a estrada correta. Mas não. Agora é tarde, estou atrasada não há mais chances de tomar aquele avião, a lua já se posicionou e em breve os médicos tentarão acorrentar meus pensamentos com a camisa de forças. Mal sabem eles que do lado de dentro, onde todos os viajantes descarregam suas bagagens, há eternidade.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Meu verdadeiro delírio, o delírio de existir.



Sóbrio depois de tantos dias em que passei fugindo de mim, de todos. Moribundo onde quiser a sorte me levar por essas ruas cheias de buracos, tento no meio fio dar passo por passo. Um nó. A abstinência, a vontade de fugir a regra, de romper o silêncio. O desafio de estar lúcido por mais um dia.  Na rua sinto olhares vindos por todas as direções, olhares que me condenam.
Ninguém sequer imagina o que tem sido viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites
de intensa frustração, driblando o tom de tragédia que insiste em atormentar meu sossego. Isso nunca tinha me acontecido, eu já me orgulhei de mim, já tive tanta vontade de ser quem eu era, mas com o tempo, sobretudo meus recentes e últimos anos, perdi os modos, o caráter, não sei mais como é ser feliz, apenas imagino. Melancolia me define. Tenho um corpo sem dono e uma alma abandonada, embora eu saiba que é preciso muito mais que isso.
Sinto-me urgente. Urgente de tudo, despido de qualquer fugacidade, você me entende?
E na noite perigosa, fico sozinho com meus medos, totalmente sem saída andando em círculos tentando não ceder, fazendo promessas para aliviar essa dor. A dor real, a dor de cabeça já virou hábito eu não me importo, nem reclamo. Tenho a convicção de que estou bêbado fisicamente, mas mentalmente sóbrio. A última tentativa era me calar sem pensar em quase nada, apenas fechava os olhos e sentia, sentia raiva de mim, raiva de sentir.
Levantava com as pernas trôpegas que tropeçavam em nada e me dirigia até a janela, meus olhos saltavam procurando a estrela mais brilhante escondida por entre as nuvens e a chuva. Chuva? Quando há chuva, não há estrelas, e disso eu sabia mais estava completamente confuso em minha inocência, ou embriaguez. Perdido em meu verdadeiro delírio, o delírio de existir.
Uma dose.
Outra dose.
E de dose em dose.
A “overdose”.
O mundo parecia se transformar embaçando minha visão. Tornando minhas falas inexpressivas e quando eu caía em mim estava filosofando com a garrafa, discutindo sobre amor e política. Eu olhava ao redor pra ter a certeza de que estava sozinho, e estava. Sentia alívio e vazio. Vazio, o copo estava vazio, então eu enchia até a borda e brindava, sentia a bebida rasgando meus músculos, queimando por dentro. Mas eu gostava. Na verdade eu gosto. Não do gosto em si, mas do prazer.
E mesmo que por delírio conseguia me esquecer da rotina, do caos, das buzinas dos carros, do gosto amargo... da boca seca.
Enganando a mim para culpar aos outros. É tão bom ter alguém em quem colocar a culpa, não é mesmo?
E o que os outros têm a ver com isso?
A vida é minha, repetia inúmeras vezes em meio à rouquidão da voz e as lágrimas que se limitavam a cair.
Que vida ainda tenho?
Me perguntava, e segundos depois eu mesmo respondia: Tenho a vida daqueles que me fizeram sofrer, tenho a vida despedaçada, tenho a vida indo pelo vão da janela, pelo bueiro junto a ratos e baratas, tenho a vida suicida a beira de um abismo esperando o vento soprar.
O meu rosto esfacelava-se como pó. Aos poucos vinha à fadiga, o tumulto mental.
Tudo escuro. Eu tinha apagado.
E na manhã seguinte apenas as seqüelas, a indisposição de uma daquelas noites mal dormidas.
Pensava então comigo: Nada que um banho bem gelado e um café amargo não reconfortem, não eliminem essa ressaca moral.