sexta-feira, 22 de abril de 2011

Renúncias e loucuras

"não existe liberdade nenhuma em ser livre"

Embora eu acredite veemente em certo “tudo”, nele cabem algumas ilusões.
Ilusões que cultivamos por um fenômeno interno chamado de confusão mental, ou confissões, sabe-se lá ao certo.
Ter sempre que chegar a algum lugar, sendo que preferíamos partir, ir pra longe sem precisar deixar rastros, ou qualquer telefone pra contato, apenas seguir um rumo incerto e duvidoso, que possa proporcionar certa aventura ou risco.
Vez ou outra nos cansamos de chegar pontualmente em horas erradas, com poltronas marcadas e rostos desconhecidos, então sorrimos amargamente com certo desamor, por fracasso, não, por erro, errar é tão humano quanto acertar.
Então eu me pergunto, te pergunto, onde esta escrito o que é certo ou errado?
É tão mais conceitual reprovar, mas as lamentações sempre atrasadas, não nos permitem corrigir o que nunca foi correto.
A alternativa é criar expectativas, mas se quer um conselho de amigo, não as cultive. Nem eu, nem ninguém esta aqui para satisfazê-las, esta é a verdade cruel e imutável que tentamos despistar usando máscaras, tão firmes e intrigantes, enganando a nós mesmos, mais por pouco tempo. Máscaras caem e cada vez mais as rugas se revelam.
Acaso isso não baste o suficiente, não irei iludir a ninguém, não criei um perfil exato, nem frases feitas, não busco ser motivo de surpresa agradável aos olhos de alguém, tão pouco espero a superficialidade, eu só quero o que é sincero e doce.
Assinei meu contrato de demissão para a sociedade hipócrita e cheia de falsos pregadores de má índole que invadem e corroem a mente perturbada de seres aprisionados ao sistema. Sistema onde todos são manipulados, meros fantoches da forma lúdica com que nos revelamos crianças incapazes de responder a qualquer estímulo.
Contidos, aceitando até mesmo o improvável, por falta de opção, eu diria.
E de renúncias e loucuras vivemos atolados no cabresto invisível.
A vida é mesmo assim, baixamos a cabeça e dizemos um mecânico “sim” para tudo e todos, envolto por revoltas contidas e escolhas feitas pelos “outros”, jamais por nós mesmos.


Dedicado à Ana Paula Prestes.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Uma espera por ninguém, por si.

O telefone tocava impaciente “por elise”, clássico. Assim como ele, a música invadia, hipnotizava ao mesmo tempo em que incomodava, mas não se dava ao luxo de atender. Não queria conversar, nem ouvir a rouquidão do outro lado da linha. Estava na sua paz.
O telefone insistia em vibrar e tocar aquela música que detestava
de repente, por impulso sente-se extremamente irritado,cheio de raiva joga o celular contra um automóvel . Ri uma espécie de riso cheio de maldade e rancor. Frio, faz muito frio. Sente o vento respirar em meio a sua respiração e abraçá-lo fazendo arrepiar-se.
Olha para a calçada, vê formigas ao redor de um chiclete, pedras fora do eixo, pó e bitucas de cigarro. Sem ter o que fazer começa a roer as unhas por impaciência, fazia duas horas que estava esperando ela chegar, e nada.
Sentou-se na escada molhada, observou as gotas que caiam de uma rachadura do edifício abandonado, viu ratos correndo, ouviu passos em todas as direções, torcia intimamente que fosse ela, engano, no fundo não tinha esperança de revê-la. Apoiou o queixo nos joelhos e mãos que formigavam latentes. Em um úmido sentimento de culpa lançou vapores contra a palma de suas mãos e as meteu no bolso felpudo, cheio de papéis e cigarros amassados. Assoviou aos ventos a canção que lembrava seu primeiro encontro, o primeiro beijo. Enrugou a testa, olhou para o céu escuro, conversou com a estrela Dalva enquanto seu rosto enrijecia. Resmungou cheio de incertezas num azedume característico, porém mal compreendido por si próprio.
Levantou eufórico, espiou por todos os lados como se acabasse de chegar a um lugar desconhecido, mais a nostalgia de sua memória fez com que lembrasse seu tempo de menino, novamente aquela canção veio lentamente em uma espécie de grito inconsciente, negava-se a ouvir. Colocou os dedos amarelados nos ouvidos, fechou os olhos, e a imagem dela se desfigurando em feridas foi inevitável.
Abriu uma bala, mentol. Alívio, vergonha.
Passou a mão em seu rosto áspero e cheio de rugas, olhos murchos, não tinham o vigor antigo, malmente se abriam.
Tirou os óculos já rachados e limpou em movimento circulares, arrumou o pouco de cabelo que lhe restara na cabeça já parcialmente despida, colocou a boina e se enforcou no cachecol de lã, desfiado e velho, cheirando a mofo. Desabotoou a jaqueta manchada por perfume barato e suor.
Estendeu as mãos, desabou ao chão empoeirado, queria estar em outro lugar qualquer, pois se passaram anos de uma espera por ninguém, por si.
Levantou e se mandou sabe Deus pra onde. 

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Princesinha de Botinas

Sempre nós duas.
Era uma vez uma princesinha e sua melhor amiga, criada da casa, Era uma vez não, eram muitas vezes, muitas histórias, muitos sonhos... Era uma vez nós, só eu e ela vivendo em uma bolha fantástica cheia de amor, cumplicidade e aventura. Costumávamos sair para correr e brincar, ela caía e rolava nas gramas do palácio que apesar de toda sua ficção, era real.
Nossa amizade era secreta, seus pais não aprovavam qualquer relacionamento entre senhores e seus servos.
Um dia a presenteei com botinas, pra gente poder pular a cerca e ir brincar em volta do brejo limpinho de águas transparentes, na maior inocência tirávamos a roupa e íamos nadar como peixe.
Ela sempre chegava ao salão de casa com os cabelos molhados, eu entrava correndo pela outra porta pra dizer que ela acabara de tomar banho, mas que logo ia secá-la. E eles acreditavam por que ela não gostava de tomar banho, eles aceitavam por que sabiam que apesar de tudo, eu era quem cuidava dela.
E íamos tomar banho [dessa vez, de verdade]. Cantávamos cantigas clássicas e brincávamos nas águas mornas, até nossos dedos ficarem cheios de rugas, e a água começar a esfriar.
Eu colocava aquela tolha rosinha e felpuda em cima do seu corpo úmido. Ela saia correndo, fazia de conta que era fantasma e eu nunca conseguia alcançá-la.
A gente caia em cima da cama alta, ofegantes, rindo até perder o fôlego e começar bater os queixos de frio... Corríamos pro armário de mogno e vasculhávamos a infinidade de roupas e desfilávamos em uma passarela criada em nossa imaginação, futuras modelos, quem sabe. Nossa diversão era interrompida por batidas na porta. Eram seus pais. Entravamos debaixo da cama para se esconder, sempre dormíamos em meio ao pó e ao relento. Acordávamos com nossos próprios espirros, cheias de fome.
Corríamos até a cozinha, em meio a gritos, euforia, e zumbidos de avião que a gente sempre fazia por aqueles corredores enormes!
As cadeiras em baixo da mesa eram nosso refugio de comidas contrabandeadas, claro, todos sabiam, mas para nós, era segredo nosso, só NOSSO.
Já de barriga cheia, sentávamos na varanda onde ouvíamos os contos da vovó Marieta, e na vitrola Edith Piaf tocava. E nós ficávamos admirandas com o crochê que ela tecia com a maior facilidade... Ela fumava cachimbos e a fumaça que vinha em nossa direção parecia esculpir as mais belas formas geométricas.
Assim permanecíamos até ver os últimos raios de sol vindo como finas linhas no horizonte. Vovó dizia que não podia ficar olhando por muito tempo, caso contrario, a gente passaria um bom tempo vendo vários "raiozinhos de sol" em qualquer coisa que a gente olhasse... Era verdade! A gente olhava pra lá e depois ficava dando varias piscadelas, só pra ver aquela luz brilhando dentro de nós!
Divertíamo-nos mesmo quando anoitecia!
Você lembra quando me ensinou pegar vaga-lumes e esfregar ele na pele com o inocente pensamento de que brilharíamos também?Acho que nosso destino sempre foi esse, gostávamos de brilhar!
As horas passavam rapidamente, e logo tínhamos que ir para a cama, sempre esperneava. Você colocava seu pijama de setim, e eu ficava admirando, depois eu lhe dava um beijo de boa noite e ia para o meu quarto de cabeça baixa.
As luzes da casa iam se apagando gradativamente, quando estava tudo escuro, mudo, você batia na porta do meu quarto e pedia pra dormir comigo.
Era engraçado, mas havíamos aprendido muito sobre a vida!
Ela gostava de olhar pelo teto de vidro, eu mostrava todas as estrelas e constelações cada qual por seu nome, cada uma em seu devido lugar, cada uma mais brilhante que a outra, era difícil pegar no sono, cada dia parecia tão [mais] mágico que o outro, era um sonho ao qual negávamos acordar!
Acordou de um sono profundo.
A princesinha tirou as botinas, olhou mais uma vez pro céu e deu o nome àquela estrela mais brilhante que ficava ao lado das três Marias. Seria só minha agora, assim como todos os outros segredos, só nossos.


Por: Loara Gonçalves e Juliana Partyka 


quarta-feira, 6 de abril de 2011

Pé de Jabuticaba

Estavam ali, parados, homem e mulher, aturdidos. Nada falavam, apenas olhavam para o horizonte com a eternidade de uma juventude plena.
O entardecer ia trazendo consigo a escuridão do céu, que logo se via banhado pelo brilho de estrelas propositalmente colocadas em uma ordem linear, desenhando uma suave melodia sobre o céu, extraordinariamente vasto.
A lua tão cheia parecia explodir triunfante em feixes de luz, que iluminavam os olhos daqueles dois, que se encontravam refletidos como meros esboços no lago de águas frias e doce.
Um leve coaxar de sapos ritmava junto à respiração lenta e compassada do casal, que calava. As folhas secas caiam sem que se pudesse evitar, e decoravam a grama molhada pelo orvalho da úmida noite.
As águas se moviam em danças circulares, a valsa dos peixes não era vista mais logo sentida a cada salto brusco que tomava os ares e novamente retornava ás águas, tão profundas.
O grilo em Mi menor compunha cantigas de roda e como em um truque de mágica os vaga-lumes rapidamente tornavam a colorir a vida da noite morta.
As flores liberavam espécie atípica de perfume que ecoava na narina trancada dos dois, que diante do espetáculo só podiam se calar.
As formigas subiam pelas canelas finas causando arrepios e coceiras indesejadas, que logo estampavam um sorriso inocente no rosto enrijecido de tanto ventar.
Em passos lentos o nevoeiro dá lugar a um emaranhado de brancos, cada coisa vai voltando ao seu lugar, a insensata cegueira faz com que eles finalmente se olhem.
Olhos cobertos e floridos de sentidos.
Levantam, abraçam-se, cada um segue para um lado.
Separados por passos desiguais, eles voltam a se encarar.
E ouve-se um eco por entre o pé de jabuticaba: “Até amanhã, meu amor.”