segunda-feira, 11 de abril de 2011

Uma espera por ninguém, por si.

O telefone tocava impaciente “por elise”, clássico. Assim como ele, a música invadia, hipnotizava ao mesmo tempo em que incomodava, mas não se dava ao luxo de atender. Não queria conversar, nem ouvir a rouquidão do outro lado da linha. Estava na sua paz.
O telefone insistia em vibrar e tocar aquela música que detestava
de repente, por impulso sente-se extremamente irritado,cheio de raiva joga o celular contra um automóvel . Ri uma espécie de riso cheio de maldade e rancor. Frio, faz muito frio. Sente o vento respirar em meio a sua respiração e abraçá-lo fazendo arrepiar-se.
Olha para a calçada, vê formigas ao redor de um chiclete, pedras fora do eixo, pó e bitucas de cigarro. Sem ter o que fazer começa a roer as unhas por impaciência, fazia duas horas que estava esperando ela chegar, e nada.
Sentou-se na escada molhada, observou as gotas que caiam de uma rachadura do edifício abandonado, viu ratos correndo, ouviu passos em todas as direções, torcia intimamente que fosse ela, engano, no fundo não tinha esperança de revê-la. Apoiou o queixo nos joelhos e mãos que formigavam latentes. Em um úmido sentimento de culpa lançou vapores contra a palma de suas mãos e as meteu no bolso felpudo, cheio de papéis e cigarros amassados. Assoviou aos ventos a canção que lembrava seu primeiro encontro, o primeiro beijo. Enrugou a testa, olhou para o céu escuro, conversou com a estrela Dalva enquanto seu rosto enrijecia. Resmungou cheio de incertezas num azedume característico, porém mal compreendido por si próprio.
Levantou eufórico, espiou por todos os lados como se acabasse de chegar a um lugar desconhecido, mais a nostalgia de sua memória fez com que lembrasse seu tempo de menino, novamente aquela canção veio lentamente em uma espécie de grito inconsciente, negava-se a ouvir. Colocou os dedos amarelados nos ouvidos, fechou os olhos, e a imagem dela se desfigurando em feridas foi inevitável.
Abriu uma bala, mentol. Alívio, vergonha.
Passou a mão em seu rosto áspero e cheio de rugas, olhos murchos, não tinham o vigor antigo, malmente se abriam.
Tirou os óculos já rachados e limpou em movimento circulares, arrumou o pouco de cabelo que lhe restara na cabeça já parcialmente despida, colocou a boina e se enforcou no cachecol de lã, desfiado e velho, cheirando a mofo. Desabotoou a jaqueta manchada por perfume barato e suor.
Estendeu as mãos, desabou ao chão empoeirado, queria estar em outro lugar qualquer, pois se passaram anos de uma espera por ninguém, por si.
Levantou e se mandou sabe Deus pra onde. 

3 comentários:

  1. Adorei, principalmente o final. "Levantou e se mandou sabe Deus pra onde."

    Angustiante... e lindo.

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  2. um momento que tinha tudo pra ser banal, sem importância pra ninguém, simples e fugaz, ganha vida na sua imaginação. Parabéns!

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