quinta-feira, 7 de abril de 2011

Princesinha de Botinas

Sempre nós duas.
Era uma vez uma princesinha e sua melhor amiga, criada da casa, Era uma vez não, eram muitas vezes, muitas histórias, muitos sonhos... Era uma vez nós, só eu e ela vivendo em uma bolha fantástica cheia de amor, cumplicidade e aventura. Costumávamos sair para correr e brincar, ela caía e rolava nas gramas do palácio que apesar de toda sua ficção, era real.
Nossa amizade era secreta, seus pais não aprovavam qualquer relacionamento entre senhores e seus servos.
Um dia a presenteei com botinas, pra gente poder pular a cerca e ir brincar em volta do brejo limpinho de águas transparentes, na maior inocência tirávamos a roupa e íamos nadar como peixe.
Ela sempre chegava ao salão de casa com os cabelos molhados, eu entrava correndo pela outra porta pra dizer que ela acabara de tomar banho, mas que logo ia secá-la. E eles acreditavam por que ela não gostava de tomar banho, eles aceitavam por que sabiam que apesar de tudo, eu era quem cuidava dela.
E íamos tomar banho [dessa vez, de verdade]. Cantávamos cantigas clássicas e brincávamos nas águas mornas, até nossos dedos ficarem cheios de rugas, e a água começar a esfriar.
Eu colocava aquela tolha rosinha e felpuda em cima do seu corpo úmido. Ela saia correndo, fazia de conta que era fantasma e eu nunca conseguia alcançá-la.
A gente caia em cima da cama alta, ofegantes, rindo até perder o fôlego e começar bater os queixos de frio... Corríamos pro armário de mogno e vasculhávamos a infinidade de roupas e desfilávamos em uma passarela criada em nossa imaginação, futuras modelos, quem sabe. Nossa diversão era interrompida por batidas na porta. Eram seus pais. Entravamos debaixo da cama para se esconder, sempre dormíamos em meio ao pó e ao relento. Acordávamos com nossos próprios espirros, cheias de fome.
Corríamos até a cozinha, em meio a gritos, euforia, e zumbidos de avião que a gente sempre fazia por aqueles corredores enormes!
As cadeiras em baixo da mesa eram nosso refugio de comidas contrabandeadas, claro, todos sabiam, mas para nós, era segredo nosso, só NOSSO.
Já de barriga cheia, sentávamos na varanda onde ouvíamos os contos da vovó Marieta, e na vitrola Edith Piaf tocava. E nós ficávamos admirandas com o crochê que ela tecia com a maior facilidade... Ela fumava cachimbos e a fumaça que vinha em nossa direção parecia esculpir as mais belas formas geométricas.
Assim permanecíamos até ver os últimos raios de sol vindo como finas linhas no horizonte. Vovó dizia que não podia ficar olhando por muito tempo, caso contrario, a gente passaria um bom tempo vendo vários "raiozinhos de sol" em qualquer coisa que a gente olhasse... Era verdade! A gente olhava pra lá e depois ficava dando varias piscadelas, só pra ver aquela luz brilhando dentro de nós!
Divertíamo-nos mesmo quando anoitecia!
Você lembra quando me ensinou pegar vaga-lumes e esfregar ele na pele com o inocente pensamento de que brilharíamos também?Acho que nosso destino sempre foi esse, gostávamos de brilhar!
As horas passavam rapidamente, e logo tínhamos que ir para a cama, sempre esperneava. Você colocava seu pijama de setim, e eu ficava admirando, depois eu lhe dava um beijo de boa noite e ia para o meu quarto de cabeça baixa.
As luzes da casa iam se apagando gradativamente, quando estava tudo escuro, mudo, você batia na porta do meu quarto e pedia pra dormir comigo.
Era engraçado, mas havíamos aprendido muito sobre a vida!
Ela gostava de olhar pelo teto de vidro, eu mostrava todas as estrelas e constelações cada qual por seu nome, cada uma em seu devido lugar, cada uma mais brilhante que a outra, era difícil pegar no sono, cada dia parecia tão [mais] mágico que o outro, era um sonho ao qual negávamos acordar!
Acordou de um sono profundo.
A princesinha tirou as botinas, olhou mais uma vez pro céu e deu o nome àquela estrela mais brilhante que ficava ao lado das três Marias. Seria só minha agora, assim como todos os outros segredos, só nossos.


Por: Loara Gonçalves e Juliana Partyka 


3 comentários:

  1. era segredo nosso, só NOSSO.

    Acho que não preciso dizer mais nada, obrigada pela inspiração e pelas tardes, todas e tantas que ainda virão!

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Fiquei chocado
    Sei que a opinião de um mero mortal não contará para uma prosa que, para mim, será imortal...
    Não sei explicar o que pude sentir ao ler esse texto
    Não parece que foi apenas um texto, foi mais um testamento, uma lei para minha coesão no Universo...
    Se bem que esse mundo não é coeso, assim como as ações humanas não tem sentido.
    Obrigado pelo texto.
    Não usarei Ray Ban para esconder estas lágrimas...

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