segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Repeat

Esparramada como quem não pretende sair da cama, da zona de conforto. Estar confortável, há sensação melhor que esta?


Toda a bagunça por arrumar, o lixo por jogar, a roupa por lavar, os pratos na pia. As moscas. Ressaca. Mais um dia com a boca seca, o estômago embrulhado. Os problemas por resolver. As contas por pagar. Recebo visita da indisposição, do tédio, mas o celular continua sem tocar. Você não quer mais saber de mim. Dou muito vexame, sou escandalosa, exagerada e ciumenta. Você é só mais um orgulhoso que conheci. Só mais um que resolveu se meter no meu caminho e deixar pegadas. Rastros que não seguirei. O tempo ficara encarregado de apagar. Não é isso que sempre nos dizem com a boca cheia?
Viro de um lado para o outro, derrubo as cobertas e as deixo no chão. Com isso não me importo. Procuro o isqueiro debaixo do travesseiro, pelo colchão, enquanto me distraio com um pé de meia. Repeat. E mais uma vez repeat. Já estou cansada de apertar repeat para a mesma melodia. Ela esta tocando a pelo menos umas duas horas, uns dois dias, não sei ao certo. Só sei que a batida do violão e a voz rouca de John Mayer me acalenta de alguma forma extraordinária. Mas com isso também não me importo.
Estar sozinha na sexta-feira a noite pode ser bom, estou podendo me encontrar. Ou me perder completamente de mim mesma. De nós. De todos. Somente estando sozinha para perceber a falta de um simples telefonema na noite cinzenta. E que tal uma mensagem, um sms talvez, sei lá. Fingir que ainda se importa comigo, que ainda acredita em uma reconsciliação.  É eu sei, estou pedindo coisas demais. Repeat. Ficar sozinha em um quarto com as janelas fechadas, cortinas black out e uma cama amarrotada pode ser sinônimo de diversão quando se tem em uma das mãos a cerveja gelada, em outra o cigarro, o filtro sendo consumido. A fumaça nos cabelos levemente ondulados. A meia luz refletindo nos óculos sujos de dedos, de suor, de rímel.
Meus olhos percorrem cada milímetro do quarto como quem procura uma rachadura. E como já diz alguem tão sabio quanto qualquer dito popular, quem procura acha. Achei algumas, talvez ocasionadas pela chuva, talvez por batidas repetidas, e ficar pensando nas mil possibilidades me roubou alguns minutos. Minutos... quem se importa em perder alguns quando se tem uma vida toda pela frente. Vida toda ou meia vida, basta ser vivida. Viver. Esta aí a solução.
Faz-se alguns breves milésimos de segundos de silêncio. Tempo de apertar o repeat novamente. Sinto um alívio imenso ao ouvir essa voz, que não  é minha, nem do meu consciente. Mas de alguém que não me abandona. Me faz companhia. Me faz dançar conforme o ritmo soul. Me conduz. Me alucina. Quando a música esta chegando ao fim, eu rompo qualquer rito, mais não fico sem ouvi-la. Repeat. Alívio mais uma vez. Respiro fundo, resgato memórias do passado, revigoro com umas boas gargalhadas e bebo um gole. A cerveja virou chá. Eu tenho por mania esquecer de atividades iniciadas, então não me espanto ao ver a cerveja quente, o desenho mal acabado, as roupas jogadas pelos cantos, os papéis amontoados, as fotos na gaveta junto a cartas e manchas de batom. Também não me importo mais com as coisas que chegaram próximo de ser, mas não foram por motivos diversos.
Bitucas e cinzas. Poeira e teia de aranha. O sujo cultivado por mim. O podre trazido de fora. O pigarro de quem esta doente, saturado. O repeat, a mesma canção, mais um suspiro. Finalmente o sono. Pause. Stop.

4 comentários:

  1. Lô, minha nega, não é porque você é minha prima não... mas eu realmente CONSIGO me encontrar em muitas partes do seu texto, ou pelo menos ter alguns momentos que eu já fiz, já vivi... já me deixar por estar. É fantástica essa capacidade de me transportar para um outro mundo... Obrigada pelas palavras. Elas reconfortam um pouco a minha alma! ;) Te amo

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  2. Ah nega, meu orgulho!
    Vou votar em vc, SUA MARAVILHOSA!

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  3. "O sujo cultivado por mim." Adorei... Acho que daria uma bela edição de algo parecido com aquele programa... "Contos da meia noite" ou um curta mesmo. Parabéns lindona!!!

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