terça-feira, 21 de junho de 2011

Do lado de fora


Ela costumava se aventurar em terrenos novos, como uma estrangeira, uma verdadeira cigana carregando na mochila seus sonhos e toda juventude, para depois ter o prazer de reviver, reinventar passados agradáveis.
Inutilmente, tentava descrever todas as estradas de chão batido que já havia cortejado com sua quase “marcha nupcial”. Valorizava cada pegada deixada no chão, era a prova mais concreta de que já havia estado lá. E de si se dilatava.
A alguns dias de distância caminhando rumo aos mares do Sul, seguindo a corrente Leste, do ponto de partida Norte, guiava-se por uma pipa que empinava com certo deslumbre.
Enquanto eu, do lado de fora admirava.
Era apenas mais uma viajante perdida em seus próprios pontos cardeais, circundada por desejos não desperdiçados que se despertavam simultaneamente.
No qual eu residia de maneira constante e imperceptível.
Era viciante a maneira que caminhava hipnotizada entre árvores e pedras, flores e espinhos, com o olhar fixo nos feixes de sol refletidos nas folhas secas e amareladas, que denunciavam inocentemente o outono.
E do lado de fora, eu ouvia o constante som dos seus passos quebrando galho por galho, misturados aos gritos de seu silêncio fúnebre.
Em meus olhos claros eu via os dela e ambos percorriam atentos cada mínimo detalhe, como se fossem páginas escritas de um livro já inventado, onde buscávamos ansiosas pelo capítulo final.
Do lado de fora, onde estou presa, ainda que pouco, vejo aquela mulher em seu imaginário vazio gozando o horizonte, reconhecendo a imensidão do azul do céu por onde correm as nuvens de formas geométricas variáveis, obras do acaso e do vento, misteriosamente desenhadas pelas mãos de um Homem. Homem esse no qual acreditava fielmente: Deus.
E os segredos tão nossos pareciam se esconder por trás da cadeia de montanhas.  
Do lado de fora, onde estou presa, me pego criando itinerários capazes de me levar aos lugares em que estive naquela companhia, daquela que não tinha um nome ao qual eu pudesse chamar. Caso tivesse chamaria todas as noites na expectativa de viajarmos.
Mais onde estou presa, sou obrigada a permanecer imóvel, olhando aquela figura que me comove e me alivia.
Essa “estranha” pega a mochila e parece se desfazer toda vez que insisto em fechar os olhos. Ela esta realmente indo embora, indo para dentro. Ela me puxa pelo braço, me chama, e eu simplesmente não consigo me mover, e assim diante de mim ela desaparece por aquela longa estrada.
Estrada da vida.
Sendo esquecido por si, pelo mundo, mas jamais por mim, pois suas pegadas continuam desenhadas no chão.
Dizem que estou ficando louca e que essa viajante faz parte de mais uma daquelas criações da minha mente perturbada e hiperativa.
Do lado de fora, onde estou presa, permaneço debruçada na varanda, advertida através de conjuras, porém acreditando no que vejo e no que sinto prioritariamente.
De fato todos me olham mudos e cheios de indagações, como se eu fosse...louca, mas loucos são eles, incapazes de perceber que aqui, do lado de fora... estamos presos.
Presos!
Eu podia ter ocupado o lugar daquela que desapareceu, se tivesse voltado atrás, ou talvez tomado a estrada correta. Mas não. Agora é tarde, estou atrasada não há mais chances de tomar aquele avião, a lua já se posicionou e em breve os médicos tentarão acorrentar meus pensamentos com a camisa de forças. Mal sabem eles que do lado de dentro, onde todos os viajantes descarregam suas bagagens, há eternidade.

Um comentário:

  1. Muito, muito bom. Eu viajei muito seguindo essas pegadas no chão...
    "Era apenas mais uma viajante perdida em seus próprios pontos cardeais." (ESSA FRASE É MUITO FODA!)
    Evoluir é o maior prazer que a vida pode nos dar!

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