quinta-feira, 16 de junho de 2011

Meu verdadeiro delírio, o delírio de existir.



Sóbrio depois de tantos dias em que passei fugindo de mim, de todos. Moribundo onde quiser a sorte me levar por essas ruas cheias de buracos, tento no meio fio dar passo por passo. Um nó. A abstinência, a vontade de fugir a regra, de romper o silêncio. O desafio de estar lúcido por mais um dia.  Na rua sinto olhares vindos por todas as direções, olhares que me condenam.
Ninguém sequer imagina o que tem sido viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites
de intensa frustração, driblando o tom de tragédia que insiste em atormentar meu sossego. Isso nunca tinha me acontecido, eu já me orgulhei de mim, já tive tanta vontade de ser quem eu era, mas com o tempo, sobretudo meus recentes e últimos anos, perdi os modos, o caráter, não sei mais como é ser feliz, apenas imagino. Melancolia me define. Tenho um corpo sem dono e uma alma abandonada, embora eu saiba que é preciso muito mais que isso.
Sinto-me urgente. Urgente de tudo, despido de qualquer fugacidade, você me entende?
E na noite perigosa, fico sozinho com meus medos, totalmente sem saída andando em círculos tentando não ceder, fazendo promessas para aliviar essa dor. A dor real, a dor de cabeça já virou hábito eu não me importo, nem reclamo. Tenho a convicção de que estou bêbado fisicamente, mas mentalmente sóbrio. A última tentativa era me calar sem pensar em quase nada, apenas fechava os olhos e sentia, sentia raiva de mim, raiva de sentir.
Levantava com as pernas trôpegas que tropeçavam em nada e me dirigia até a janela, meus olhos saltavam procurando a estrela mais brilhante escondida por entre as nuvens e a chuva. Chuva? Quando há chuva, não há estrelas, e disso eu sabia mais estava completamente confuso em minha inocência, ou embriaguez. Perdido em meu verdadeiro delírio, o delírio de existir.
Uma dose.
Outra dose.
E de dose em dose.
A “overdose”.
O mundo parecia se transformar embaçando minha visão. Tornando minhas falas inexpressivas e quando eu caía em mim estava filosofando com a garrafa, discutindo sobre amor e política. Eu olhava ao redor pra ter a certeza de que estava sozinho, e estava. Sentia alívio e vazio. Vazio, o copo estava vazio, então eu enchia até a borda e brindava, sentia a bebida rasgando meus músculos, queimando por dentro. Mas eu gostava. Na verdade eu gosto. Não do gosto em si, mas do prazer.
E mesmo que por delírio conseguia me esquecer da rotina, do caos, das buzinas dos carros, do gosto amargo... da boca seca.
Enganando a mim para culpar aos outros. É tão bom ter alguém em quem colocar a culpa, não é mesmo?
E o que os outros têm a ver com isso?
A vida é minha, repetia inúmeras vezes em meio à rouquidão da voz e as lágrimas que se limitavam a cair.
Que vida ainda tenho?
Me perguntava, e segundos depois eu mesmo respondia: Tenho a vida daqueles que me fizeram sofrer, tenho a vida despedaçada, tenho a vida indo pelo vão da janela, pelo bueiro junto a ratos e baratas, tenho a vida suicida a beira de um abismo esperando o vento soprar.
O meu rosto esfacelava-se como pó. Aos poucos vinha à fadiga, o tumulto mental.
Tudo escuro. Eu tinha apagado.
E na manhã seguinte apenas as seqüelas, a indisposição de uma daquelas noites mal dormidas.
Pensava então comigo: Nada que um banho bem gelado e um café amargo não reconfortem, não eliminem essa ressaca moral.

8 comentários:

  1. OOOOOOooww, anda inspirada MESMO em?? Caramba. Muito bom o texto, especialmente porque - apesar de ser uma parte sua - esse texto fala de nós. E é por isso que essa leitura prende, por mais melancólica que seja.

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  2. Ameiiiiii como você escreve bem menina NOSSAAAAAA!!!! To de cara, to de cara mesmo! Parabéns geniazinha. Chorei. Bjooooo

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  3. Com toda certeza esse texto é
    MUITO P E R F E I T O.

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  4. "despido de qualquer fugacidade, você me entende?"

    me inspirou uma frase (;

    liiindo meu amor ;]

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  5. esse texto é emocionante.. e das poucas pessoas que escrevem que eu conheço pessoalmente (como pessoa e em primeira pessoa) vc é uma das que eu mais gosto de ler... bjo... lindo texto!

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  6. Fui surfando nesse mar de loucura todo. Muito bom :) Cada vez melhores os seus textos!

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  7. Outra epifania textual? Maravilhoso. Adoro o jeito que você termina teus textos. E minha parte preferida é: "Ninguém sequer imagina o que tem sido viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites
    de intensa frustração, driblando o tom de tragédia que insiste em atormentar meu sossego."

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